Vivendo num jogo de tabuleiro

Aos comandos de superiores

Diante todos sentados ao redor da mesa, move-se as peças. Soldados do exército são ligeiramente deslocados entre bases militares. Em seu percalço, acompanha-se a destinação de armamentos e munições. Alguns poucos aviões se seguem e, quando se percebe, toda uma esquadra altera de local. Bastam alguns comandos e o reajuste está feito. Uma cena que pode estar se passando nesse momento no escritório de algum diplomata, tendo presentes os representantes de países como EUA, Reino Unido, França, China, Rússia, Japão e Coreia do Sul.

A alguns quilômetros a nordeste da capital, Pyongyang, um tremor de terra (mais precisamente de magnitude 4,7 na escala Richter) interrompia um leve cochilo dum senhor, que morava bem à base de uma colina, justamente por crer ser ali um bom lugar de sossego. Pelo momento de susto, procurou esse senhor saber a razão do abalo, mas quem ali na Coreia do Norte saberia (ou poderia) dizer?

Realizando testes de armas nucleares, o governo de Kim Jong-Il desencadeou uma grave crise internacional, colocando as nações em estado de alerta. Seu regime comunista expõe o caso como uma medida de se ampliar a capacidade de defesa do país. Enquanto isso, no entanto, boa parcela da população, como por exemplo, o senhor que mora nas colinas ao norte, o qual menciono, passa por condições de grande privação de recursos para a própria subsistência. Sendo, por outro modo, o segmento dos burocratas do regime capazes de manter ampla carga de ostentação e privilégios.

É da natureza humana colocar a culpa em outro
Enquanto o ditador se militariza, acusa a Coreia do Sul de romper o cessar-fogo realizado em 1953. Em razão da participação plena de Seul na PSI, sigla em inglês da Iniciativa de Segurança contra a Proliferação de armas de destruição em massa ou materiais relacionados (a qual é liderada por Washington), o governo norte-coreano afirma que não mais se sujeitará ao acordo militar citado.

Formalmente, as duas Coreias ainda estão em guerra, pois só um Tratado de Paz põe fim ao conflito, o que não ocorreu. O máximo que se atingiu foi uma tentativa de aproximação em 2007, mas fracassou, não sendo legalizado o tratado. Agora, as mensagens vindas de Pyongyang já são claras ao afirmar que qualquer interceptação de seus navios será considerada uma declaração de guerra e o governo responderá por meio de um ataque militar.

As colinas da península coreana já não mais serão tranquilas, assim como as ondas sísmicas que ocasionaram o terremoto artificial na Coreia do Norte já se fizeram sentir em toda a comunidade internacional, que se agravará em crise, se de fato se recompuser o conflito. Voltamos a momentos de tensão presenciando o princípio de uma nova corrida armamentista global. E sem muito poder interferir, somos todos movidos por entre as casas do tabuleiro. A questão é que os peões raramente sabem dos reais planos das mãos que comandam a partida.

Imagem: Aduzeedo

O Dilúvio da Burocracia

Numa madrugada de 1807, uma forte tempestade tomava conta da cidade portuguesa de Lisboa e, sob ela, uma intensa movimentação de pessoas preenchia as ruas. Atônita, a população presenciava a fuga da Família Real portuguesa para sua colônia ultramarina mais rentável e produtiva – no caso, o Brasil. O episódio é narrado como uma das maiores epopéias da História. E não por menos merecia. O fato marca a única vez em que um monarca – e não apenas ele, mas toda a corte de um país – saía de seu luxuoso palácio no centro do reino para vir para uma simples colônia.

Dona Maria I, mãe do príncipe regente dom João, no episódio da tão atabalhoada e às polvorosas da fuga, ao sair do Palácio de Queluz, teria dito ao cocheiro de sua carruagem: "Não corra tanto, vão pensar que estamos a fugir!". Preocupada com a má impressão que o embarque repentino causaria à população, a soberana não queria passar a sensação de que a nobreza governante do país estava sem alternativas e que entregava o povo à sua própria sorte.

À Procura de proteção da tempestade
Despreparado e incapaz de manter o seu próprio governo, Dom João chega ao Brasil, mas não veio desacompanhado. Com ele, toda a estrutura do Estado veio junto. Além da família real e de diversos funcionários graduados, muitos membros da nobreza, fidalgos e dignitários régios com seus familiares e criados, ministros, membros do exército, marinha, do alto clero, conselheiros, advogados, juízes da Suprema Corte, funcionários do Tesouro e muitos mais desembarcam por terras tupiniquins. Todos eles passaram a ser pagos pelo erário real, em moedas de ouro e prata. Conta-se, por exemplo, o caso de um padre que tinha como única tarefa realizar a confissão da rainha dona Maria I, e recebia por isso 250 mil réis (o equivalente a 14 mil reais em valores atuais).

Pode-se citar, a título de comparação, quando da transferência da capital norte-americana da Filadélfia para Washington, no ano de 1800, o então presidente John Adams levou consigo cerca de 1.000 funcionários governamentais para a cidade. Já, segundo relatos da época, vieram para o Brasil, ao todo, de 12 a 15 mil pessoas, embarcadas em catorze navios escoltados pela marinha britânica. E ainda hoje somos levados a crer que para aperfeiçoar o serviço público seria necessário contratar mais funcionários.

O nosso grande infortúnio talvez seja justamente que, desde os tempos do império, o nosso aparato estatal foi caracterizado pelo excesso burocrático. Uma administração com muitas divisões, regras e procedimentos redundantes, desnecessárias ao funcionamento do sistema. E ainda, um arcabouço de recursos humanos inflado e remunerado indevidamente, além de vislumbrarmos a expansão dos cargos de confiança, aparelhados pelos partidos políticos. Sem mencionar todos os procedimentos que são grandemente fracionados, longos e demorados. O acesso aos serviços públicos que, em tese, é direito fundamental do cidadão, é dificultado pelo penoso percurso que este deve enfrentar. A eficácia da prestação estatal se torna, assim, em muitos dos casos, inexistente.

O fato observado é que a máquina estatal sempre foi morosa e sucateada, mas ainda assim sempre quer transparecer que é adequada e satisfatória, como podemos enxergar no discurso supracitado de dona Maria I. Ainda hoje vivemos sob fortes chuvas, e assistimos ao descaso do Estado a nos deixar desprotegidos e sem recursos para nos manter.

Usando informações fornecidas por Paulo Roberto de Almeida
Imagem interna: Abduzeedo

Um espirro no México

Muito se diz, mas pouco se acrescenta. A Gripe suína se alastrou, mas mais rápido do que ela foram os alardes em seu entorno. O que deveria ser pronunciado, no entanto, ficou olvidado.

No interior do México, um pequeno produtor rural de uma cidadezinha qualquer assiste ao televisor o presidente Felipe Calderón pedir para que todos permaneçam em suas residências para se evitar o alastramento do vírus H1N1 (causador da chamada ‘gripe suína’). Em seu momento de temor, cogita o interiorano ter ele próprio colaborado para o agravamento do surto da doença com a sua criação de porcos nos fundos da casa. O que esse senhor não sabe é que perto dali uma fazenda de criação intensiva de suínos trabalha exaustivamente.

Gigantescas fazendas industriais mantidas por corporações multinacionais operam atualmente no interior do México, e suas condições sanitárias não são as mais rigorosas. Perigosamente, um número excessivo de porcos é alojado dentro de galpões com uma precária limpeza, recebendo coquetéis de drogas e outras substâncias para alimentação indiscriminadamente.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) alertam para a grande probabilidade de serem essas companhias que contribuíram para a formação de uma espécie viral mais forte e resistente que se espalhou globalmente. O risco sanitário de geração e transmissão de epidemias e doenças em tais indústrias aumenta na medida em que as condições em que ali são criados os animais não são fiscalizadas e reguladas.

Na ótica do mercado, a produção concentrada e de grande escala é tida como essência motora do crescimento econômico. Contudo, não se observa um mínimo, em muitas das vezes, do que seria esperado para a sustentabilidade do negócio. Para se otimizar os lucros, os gastos e investimentos, seja em condições ambientais ou segurança sanitária e outros, são reduzidos às expensas das condições de vida da população, que sofre as consequências.

Enquanto isso, as farmácias daquela mesma cidadezinha no México (como em muitas outras seguidas pelo mundo afora) esvaziam os estoques de máscaras respiratórias. Nas ruas se lançou a repentina moda dos respiradouros em vários formatos e modelos. Basta um espirro da mídia para que todos se sintam resfriados. O que mostra também o fomento dos veículos de comunicação por uma polêmica (que se cria ou se amplia) capaz de vender uma boa notícia. O mercado sobrevive graças às agitações que ele mesmo causa.

Mas não será agora que a espécie humana passará por uma grande hecatombe. Sobrevivemos tantas outras, não será neste momento que cairemos. A dengue nossa de todos os verões está aí para comprovar, ceifando tantas outras vidas – a diferença é que agora os atingidos são também os países mais desenvolvidos. Mas a ameaça para a saúde humana é real, e necessita de cuidados imediatos para a sua preservação.

Deve ocorrer é uma verdadeira mudança do padrão de produção de alimentos atualmente adotado, de modo a criar mecanismos de controle criteriosos e enfáticos das empresas de agronegócio. Só assim nos protegeremos do risco de alastramento de uma nova doença e de sua conversão em verdadeira pandemia mundial. Além, é claro, do fato de que aquele produtor rural anteriormente citado poder dormir mais tranquilo e no dia seguinte almoçar servido de carne suína sem qualquer remorso ou preocupação.


Imagens: topo - Abduzeedo; interior - Reuters

Consumo Consciente


Por intermédio de hábitos simples e gestos práticos e que pouco nos incomodam, podemos adotar o consumo consciente de produtos que nos são muito úteis e cômodos, sem que com isso degrademos o ambiente à nossa volta. Uma saga que há muito já nos acompanha.


Após mais um longo dia de viagem pela costa mediterrânea do oriente próximo, por volta do ano quatro mil antes de Cristo, um grupo de mercadores fenícios desembarcam numa praia para montar acampamento. Por ali, para se aquecerem e preparar o alimento, acendem uma fogueira por entre a areia e conchas e tiram uma noite de descanso. Pelo amanhecer, ao acaso, descobrem que no local onde havia a fogueira se encontrava um material transparente até então desconhecido. Formado pela fundição em alta temperatura da sílica e do calcário (encontrados respectivamente na areia e nas conchas), o vidro causou o deslumbramento dos povos da antiguidade.

Areias que trouxeram deslumbramentoPor sua beleza e múltiplas funcionalidades, logo o vidro passou a ser amplamente aplicado em diversos setores da vida cotidiana. Hoje está presente em quase tudo que utilizamos. Mas a sociedade moderna além de produzi-lo em larga escala, também cria uma enorme quantidade de refugo – que cedo ou tarde será descartado em grandes depósitos de lixo.

Hodiernamente, uma alternativa encontrada para a diminuição dos impactos sofrido pelo meio ambiente é a reciclagem desse material. Em fábricas específicas, pedaços de vidro são feitos em partes menores e posteriormente derretidos para a refabricação do material. Dados de 2003 da Abividro (Associação Brasileira das Indústrias de Vidro) apontam o reaproveitamento de 45% das embalagens em relação à produção total desse material no País.

Por mais que seja difundido muitas vezes pelas mídias, a reciclagem não é, contudo, a primordial das alternativas a ser utilizada, pois apenas ameniza as consequências. Algo que os povos da antiguidade já sabiam desde sua época. A produção a partir das matérias-primas sempre foi tortuosa, por isso o seu uso era específico, e hoje ainda encontramos melhores reflexões para o destino do material.

Uma das diretrizes é seguir o raciocino dos famosos 3R’s, que vêm a ser: Redução, Reutilização e Reciclagem. A ordem em que são colocados não é casual, estão assim dispostos por seguir uma padronização. O entendimento é que a primeira conduta a ser adotada é a Redução de tudo aquilo que nos é supérfluo. Não é necessário que cortemos todos os nossos hábitos, ou suportemos privações, o que se espera é que adotemos uma conduta mais condizente com o manejo adequado para a sustentabilidade de nosso padrão de vida.

A partir dessa primeira etapa, o que se recomenda é a Reutilização de tudo o que possa ser reaproveitado. Seja fazendo o reuso das mesmas funções, ou encontrar novas aplicações do material tal qual ele se encontra. Só então é que passamos para a Reciclagem daqueles materiais que necessitamos do seu uso e que posteriormente não puderam ser reaproveitados. Assim, devemos destiná-los especificamente para locais em que irão passar por outra fabricação do material, utilizando os restos do produto e sem necessitar empregar novas matérias-primas.

A explicação é bem simples. Por necessitar de novos gastos energéticos para sustentar a fábrica de reciclagem, a reutilização do vidro é preferível à sua reciclagem. Como no caso das embalagens, que necessitam apenas de uma higienização para ser novamente empregada para o mesmo fim, fazendo o impacto ambiental ser largamente reduzido.

Como nos encontramos em um estágio de fácil consumo, muitas das vezes nos esquecemos do desgaste sofrido ecologicamente. Aumenta-se muitas das vezes o consumo, ou o descarte dos resíduos se torna irresponsável, por se acreditar infundadamente que a reciclagem permite a completa eliminação dos riscos ambientais. Possivelmente, os antigos mercadores fenícios ao se depararem com os restos no solo, não previram que nossa mentalidade sobre a correta utilização daquele material não pudesse se tornar tal qual o seu achado se apresentou a eles: tão fascinante e límpida por sua lucidez.

Scriptorium – Do Blog ao Mundo

1 Ano de Grãos

"Ver um mundo em um grão de areia/ e um céu numa flor selvagem/ é ter o infinito na palma da mão/ e a eternidade em uma hora". William Blake

Distante dos centros urbanos, em mosteiros e abadias construídos em locais remotos, um monge de alguma ordem religiosa tinha como maior tarefa, após manter a limpeza de seu ambiente, se dedicar à oração e aos estudos. Ali, em seu claustro, ele se põe, em silêncio, a reproduzir cópias manuscritas dos mais variados textos: de tratados de matemática, passando por anotações de filosofia, documentos canônicos e mesmo obras literárias.

Ao se debruçar sobre as escrituras, o copista não só repete o artifício, como também aprimora seu pensamento e permite a ampliação do acervo bibliográfico. Hodiernamente, o blogueiro possui, aprimoradamente, tarefa semelhante. Sentado em frente ao teclado, em local que guarda semelhança com o de trabalho de um monge copista, o scriptorium (que dá origem ao termo escritório), ele se incumbe de transmitir o mais vasto número de conteúdo pelos meios tecnológicos então disponíveis.

Afrontam-se seu afazer o censurando por estar afastado dos fatos e ainda assim ousar os debater. Criticam-no por crer ser vão o trabalho de reflexão sem a ação, sem permitir que seja praticado tudo aquilo que antes se encontra encerrado no mundo das ideias. Ao completar Um módico Ano que registro neste blog minhas ponderações acerca de alguns episódios, quero alterar tal posicionamento.

Uma leitora do Grãos de Areia
A tarefa não é tanto ver o que ninguém viu ainda, mas pensar o que ninguém pensou sobre algo que todos vêem”. Não tenho nem mesmo a pretensão apresentada pelo filósofo alemão Arthur Schopenhaurer, por mais que possa concordar com ele. Meu desejo maior aqui neste blog é apenas fomentar o debate, reacender a centelha da discussão. Se não consigo sozinho pensar diferente, espero que compartilhando opiniões seja capaz de enxergar além do senso comum.

Todo projeto carece de passar primeiramente pela teoria, pela reflexão. Não se trata, bem sei, de uma tarefa que se encerra em si mesma. Não se dirige ao nada, mas a um destinatário. Não estou a lançar meus pequenos Grãos de pensamentos ao Infinito, entendido puramente como o vazio. Ao contrário, me proponho justamente a espalhar ao vento no anseio de encontrar solo fértil e germinar, encontrando alguém que vá ler e, assim, refletir. Não há a necessidade de o leitor alterar o modo pelo qual ele enxerga o mundo, mas, ao menos, cultivar o exame crítico das situações.

Ainda almejo a prática, pois com condutas reformuladas, não só o nosso modo de ver, mas também de agir perante os fatos serão revistos. Aos poucos, hábitos arraigados são filtrados e, de tal modo, passamos a pensar aquilo que ninguém pensou sobre algo que todos enxergam. Não mais nos encontramos afastados do convívio social, mas a ele estamos sujeitados imperiosamente. Não há alternativa de disfarçar que podemos viver sem nos preocupar com o que nos cerca. O que faz premente a análise individual da vida.

Suscitando e estimulando o debate, aspiro a formar, ou fortalecer, opiniões – sejam elas favoráveis ou contrárias ao meu pensamento, mas que estejam fundadas em alicerces racionais. É a nossa convicção, aquilo tudo em que acreditamos, que vai nortear e influenciar a nossa conduta social. Sempre se diz que para se fazer transformações na sociedade brasileira é preciso, antes de qualquer outra coisa, alterar a cultura da população. Pois aqui estou eu a fazer, não atingindo número crescente de destinatários, mas cumprindo minha pequena tarefa individual, e buscando a reforma de mentalidade.

Utilizando-me de ensinamentos de Cassiodoro, preciso lembrar que devemos muito a todos aqueles que, por meio das suas transcrições, ‘pela tinta e pela pena’, deixaram-nos um vasto legado. Pois nestes momentos, em minha exortação Urbe et Orbi ("para a cidade e para o mundo" – que aqui assemelho aos blogs em sua destinação), com o labor que me reservo, faço meus próprios comentários em notas de rodapé sobre todo o material anteriormente já rascunhado, produzido e visto. Venha também fazer o seu.

Completamos um ano de Grãos

1 Ano de Grãos

O Grãos de Areia comemora seu primeiro aniversário. Já se passou Um Ano que estamos juntos no mundo digital transmitindo opiniões.

Depois de algum tempo, novamente passamos por uma reforma no layout, que espero que seja mais duradoura que as anteriores. E desejo que você, leitor internauta, também agrade não só com o nosso novo visual, mas também possa aproveitar o conteúdo aqui produzido.

Confira a primeira postagem aqui.

Explore esse Universo!

(Imagem:Abduzeedo)

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